Este artigo foi publicado originalmente no Common Edge
Em um recente artigo publicado no Common Edge, discuti brevemente um conceito que chamo de “mentira tripla”, que é a idéia de um sistema econômico “saudável” alimentado por um número crescente de pessoas, as quais consumirão cada vez mais—e que este sistema continuará funcionando perfeitamente ad infinitum. Ao longo de sua história, os Estados Unidos se apegaram à ideia de um crescimento econômico infinito, e muito disso se deve ao fato que esta ilusão opera como uma espécie de ópio para o povo, dissimulando o conflito de classe. No entanto, “a mentira tem pernas curtas” e como todos nós sabemos, estamos nos aproximando do limite finito do crescimento, tanto do ponto de vista dos recursos (estamos esgotando nossas matérias-primas) quanto do ponto de vista tecnológico (nossas invenções estão se tornando cada dia menos revolucionárias).
Mas acontece que, essa dura realidade não parece ter afetado em nada a hegemonia da tripla mentira e seu mantra de “mais, mais, mais”—mais tempo dedicado a produzir mais coisas, para que possamos comprar mais coisas ainda. Mas de que tipo de coisas estamos falando exatamente?
Acontece que, o esforço para estabelecer práticas de arquitetura e urbanismo mais sustentáveis, está sendo claramente prejudicados por esta mentira que desconhece limites. Para construirmos nossos edifícios chamados de sustentáveis, aqueles que acabam agraciados por uma série de distintos selos e certificações, ainda é preciso investir uma enorme quantidade de recursos e energia. Mesmo que cada novo edifício sustentável seja regenerativo por natureza, temos que nos perguntar se realmente precisamos deles. Por exemplo, os Estados Unidos conta hoje com mais de 835 mil metros quadrados de espaços comerciais desocupados, sendo que a relação entre metros quadrados de áreas comerciais por habitante em nosso país é hoje 20 vezes maior que na Alemanha e 30 vezes maior se compararmos os EUA com o México. Precisamos realmente construir mais shopping centers, mesmo que estes atendam aos padrões de certificação do Living Building Challenge?
Enquanto nós, arquitetos e arquitetas, perdemos nosso tempo discutindo qual lâmpada de LED é mais eficaz ou qual é a solução mais sustentável de isolamento para nossos edifícios, a gigantesca e insaciável industria da construção civil continua a devorar nossos preciosos recursos. Mas, por incrível que pareça, esta questão foi trazida à tona para o discurso da arquitetura por um personagem bastante improvável: Patrik Schumacher, sócio fundador e diretor do Zaha Hadid Architects.
Schumacher, figura pra lá de controversa no mundinho dos arquitetos estrela, já havia se posicionado claramente quando decidiu abandonar o barco voltando-se contra o Architects Declare, um movimento o qual sua empresa havia sido uma das fundadoras e primeiras a se comprometer. Mas, ao invés de uma fuga silenciosa, como sugeria este movimento de “retirada”, Schumacher decidiu se posicionar. Em uma entrevista publicada no ano passado pelo Architect’s Journal, Schumacher disse:
Nos devemos permitir que a prosperidade e o progresso continuem, porque só assim poderemos superar os desafios do futuro [e da crise climática], e isso só será possível através de investimentos em ciência e em novas tecnologias.
Estes desafios só serão superados através de crescimento contínuo e do progresso e não através de restrições e limitações, [o que] nos levaria apenas a uma situação de recessão e consequentemente, desencadearia uma série de distúrbios sociais e políticos.
Schumacher está certamente equivocado, ou melhor, equivocadamente certo.
Ele está errado quando argumenta que a solução para nossos problemas é seguir “crescendo continuamente”. Na verdade, o crescimento contínuo—da população, da produção, e consequentemente, da desigualdade—é o nosso principal problema e não a solução. É evidente que o nosso planeta está chegando ao limite, principalmente se formos avaliar os nossos atuais níveis de consumo. Em relação a isso, o professor de matemática Andrew Hwang fez uma observação recentemente divulgada em matéria do Business Insider, “se formos considerar o padrão de vida de um americano médio, o planeta Terra poderia sustentar no máximo um quinto da população atual, algo em torno de 1,5 bilhão de pessoas.”
Acredite você ou não, tal ideia não é nenhuma novidade. Escrito na década de 1970, o livro Os Limites do Crescimento fez uso de modelagem de dados para afirmar que muitos dos recursos mais importantes do planeta se esgotariam em questão de algumas gerações, levando a humanidade a um período infernal de fome e guerra. As tecnologias utilizadas pelos autores do livro podem até estar defasadas se comparamos ao que está ao alcance da nossa mão hoje, e algumas de suas projeções são de fato, bastante pessimistas. Mas o dardo lançado lá no início dos anos 1970 não passou muito longe do alvo. Como disse o cientista John Scales Avery em seu livro publicado em 2012, Information Theory and Evolution, “Embora as previsões de esgotamento dos nossos recursos apresentados em Os Limites do Crescimento não fossem muito precisas, a tese fundamental do livro—de que o crescimento econômico contínuo e infinito é impossível—nos parece cada dia mais certeira.”
Ainda que, estas previsões datadas sobre o futuro do planeta possam não ser muito convincentes, os infográficos apresentados no livro publicado por Tony Juniper em 2018, Como Nós Estamos Destruindo o Planeta, apenas reforça a premissa básica de Os Limites do Crescimento. De qualquer forma, as consequências estão só piorando à medida que nos aproximamos de um completo esgotamento dos recursos naturais do planeta. Schumacher também está certamente equivocado quando afirma que a tecnologia é a panaceia que nos permitirá vivendo neste carnaval de consumo infinito. Para que novas tecnologias sejam forjadas, ainda precisamos investir muita energia e recursos naturais. Mesmo a mais inovadora das invenções humanas não será capaz de curvar a trajetória do sol, tampouco de mudar as ordens dos planetas. Além disso, ao acreditar que a eficiência por si só poderia salvar o nosso planeta, também estamos cometendo um grande erro. No atual sistema econômico, maior eficiência resulta em preços mais baixos, o que normalmente leva a um considerável aumento—e não a uma redução—no consumo.
Há ainda aqueles que, sugerem que a nossa salvação está no cosmos, que devemos colonizar outros Planetas. Mas, com excessão dos pouquíssimos bilionários megalomaníacos que habitam a superfície do planeta azul, isso não passa de pura ficção científica—pelo menos para a grande maioria das bilhões de pessoas que daqui, nunca arredarão o pé.
Em contraste com seus argumentos sobre o crescimento e tecnologia, Schumacher tem razão quando fala que uma busca cega por alternativas “sustentáveis” para tudo tem o potencial de causar “uma situação de recessão além de conflitos sociais e políticos”. Essas “consequências” puderam ser claramente observadas durante os protestos levados a cabo pelo “Movimento dos Coletes-Amarelos” na França, uma reação contra a progressão dos impostos sob a gasolina—que finalmente provou ser um duro golpe à classe trabalhadora, especialmente nas províncias rurais onde as pessoas dependem de seus automóveis para quase tudo.
Dito isso, é de se suspeitar que um arquiteto com Schumacher tampouco defenderia políticas de assistência social como uma resposta para este problema. Reconhecendo que a classe trabalhadora inevitavelmente lutará contra qualquer ameaça aos seus meios de subsistência, os autores do Green New Deal e outros projetos mais conservadores para combater a crise climática se mantém igualmente focados no discurso da sustentabilidade—econômica, social e ambiental.
Em resposta a matéria publicada pelo Architect’s Journal, na qual Schumacher defende uma abordagem neoliberal, o grupo que hoje lidera o Architects Declare se posicionou radicalmente contra a declaração do arquiteto responsável pelo ZHA, apresentando um argumento conciso e convincente contra a ideia de que o crescimento econômico é a única solução para os nossos problemas. O Architects Declare se pronunciou da seguinte forma:
Precisamos abordar a questão do crescimento de forma mais inteligente, criando uma distinção entre o crescimento qualitativo e o quantitativo. Existe sim uma urgência por desenvolvimento—por expandir nossos ecossistemas, por promover o bem estar das pessoas, pela promoção de comunidades mais coesas, de desenvolvermos a nossa consciência política, etc.—, assim como também existe a necessidade de regredirmos, em relação ao consumo, no que se refere à promoção de um estilo de vida luxuoso e também na maneira como exploram nossos recursos naturais.
Dada a amplitude deste debate...que permeia tantas outras disciplinas, é preocupante que figuras importantes de nossa disciplina, como Patrik Schumacher, continue defendendo a necessidade de continuarmos crescendo infinitamente. Como Edward Abbey bem observou, “crescimento pelo crescimento é a ideologia da célula cancerígena.”
Aparentemente, esta foi a gota d'água que levou Patrik Schumacher, representando a ZHA a desertar a rede Architects Declare. Considerando que o ofício da arquitetura está enraizado em sua capacidade de prever e antecipar tudo aquilo que ainda não existe, a falta de imaginação de certos profissionais às vezes nos surpreende. O planeta Terra poderia ser o lugar perfeito para a humanidade, sempre que seja um lugar bom para todos e não apenas para alguns. Embora não sejamos versados no que Aldo Leopold chama de “comunidade biótica”, sabemos o suficiente para entender que não podemos destruir o solo, a água, as plantas e os animais impunemente. O ofício da arquitetura somente permanecerá relevante no futuro se passarmos a encarar os nossos problemas e desafios do presente a partir de uma plena consciência da nossa atual condição humana no século XXI, e não mais imersos na nostalgia do século XX.
Ironicamente, a nostalgia é contraproducente. Arquitetos e designers são profissionais que se alimentam das limitações e desafios e não da banalidade da realidade já estabelecida. Sobre isso, o arquiteto e documentarista Jonny Campbell, fez a seguinte observação:
Isso me faz pensar em algo que um professor de arquitetura me disse nos meus primeiros anos de faculdade, que “as limitações são o catalisador da criatividade”. À medida que, nossos arquitetos e arquitetas são forçados a repensar a prática da arquitetura em um mundo com recursos cada dia mais limitados, é importante ter no horizonte que estas limitações, quando abordadas de forma crítica e criativa, podem resultar em projetos de grande valor e riqueza.
Uma economia e um modo de vida totalmente dependente de se produzir e consumir cada vez mais não podem funcionar para sempre. As consequências do nosso hiper-consumismo logo se voltarão contra nós mesmos, e o próximo pau-da-barra que chutarmos pode ser o sustentáculo da nossa própria tenda improvisada. O que preocupa é o tamanho da tempestade que está por vir—se vamos ter tempo para rearmar a nossa cabana ou se, ao invés disso, começaremos a construir a nossa nova arca antes da chegada do dilúvio.